domingo, 10 de outubro de 2010

artigo: LICENÇA PARA MATAR

Em 2000, o jornalista Pimenta Neves matou com dois tiros a ex-namorada e também jornalista Sandra Gomide, de 31 anos. Condenado, em 2006, a uma pena de 19 anos de reclusão pelo soberano Tribunal do Júri, teve, posteriormente, sua pena reduzida pelo STJ para 15 anos de reclusão. O covarde e premeditado assassinato, transcorridos 10 anos, continua impune, sob a chancela do STF. O processo dorme num escaninho qualquer, enquanto Pimenta Neves continua livre e solto, como se nada tivesse acontecido, bem protegido pelo batalhão de advogados, agravos e mais agravos, pela incompreensível complacência do Supremo, o guardião da democracia, e sob o manto protetor do irracional sistema de recursos que vigora neste país.

O caso de Pimenta Neves não é único, certamente outros matadores e corruptos andam livres e bem servidos juridicamente por este Brasil afora. Situações como essas geram grande indignação e perplexidade do povo brasileiro. Homem importante, o senhor Pimenta Neves adquiriu, por despacho, aquilo que só acontece no Brasil: licença para matar. A vida neste país vale menos do que centenas de agravos e o debochado sistema recursal vigente, que implantou a seguinte regra: só vai preso quem quer.

Esse estado de coisas cria na sociedade a sensação de impotência. Para todos nós, contribuintes e cidadãos, e a comunidade jurídica, bem-informada e consciente dos nocivos efeitos da impunidade, o sentimento é de frustração, de desânimo e de revolta, quando esta impunidade é referendada pela mais alta corte do país.

É hora, pois, de a sociedade acordar, reagir, criar movimentos sociais e um mecanismo de controle sobre o STF, e lavrar seus veementes protestos no sentido de combater o vírus da impunidade neste país. É hora, por igual, de todos os segmentos importantes desta nação, que detêm poderes de transformação da sociedade civil, como a imprensa, os juízes, o Ministério Público e os próprios advogados, lembrarem ao STF que ele também deve, sim, satisfação ao cidadão brasileiro.

* escrito pelo Promotor de Justiça Carlos Alberto Platt Nahas, da Comarca de Florianópolis-SC.