O Congresso Nacional tem criado uma sucessão de impasses em resposta às tentativas profiláticas da sociedade em relação à política, com enorme prejuízo para a credibilidade das instituições e, em consequência, para a ordem democrática. O foro privilegiado tornou o Congresso Nacional um recurso de defesa de réus em processos criminais, e para lá convergem acusados dos mais variados crimes. A favor deles, conta a morosidade dos tribunais superiores, desaparelhados para julgamentos criminais. Segundo pesquisa da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) de 2007, em 18 anos e meio, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu 130 processos criminais contra autoridades que têm foro privilegiado e ninguém foi condenado.
Abrigados no Congresso por razões judiciais, os parlamentares que respondem a ações criminais, com raras exceções, acabam fazendo do mandato parlamentar um instrumento a serviço exclusivo de seus interesses. O caso do deputado Paulo Maluf (PR-SP), incluído na lista de procurados pela Interpol – o que o coloca em risco de prisão em 186 países que integram a polícia internacional – por crime de lavagem de dinheiro, é paradigmático. O parlamentar, ex-governador de São Paulo e ex-prefeito da capital pelo voto indireto, no período da ditadura, e ex-prefeito da capital pelo voto direto já na fase democrática, responde a inúmeros processos por improbidade administrativa e foi preso em 2005, acusado de intimidação de testemunha. Em 2006, candidatou-se à Câmara dos Deputados. Já em 2007, apresentou um projeto de lei instituindo a “mordaça” para autores de ações civis públicas, ações populares e ações por improbidade administrativa (o parlamentar responde aos três tipos). Maluf mira, dessa forma, o Ministério Público e acena para os membros da instituição, como punição pessoal, com prisão, multa e pagamento de indenização na hipótese, definida vagamente, de o autor das ações praticar “o ato de maneira temerária”.
Não se imagina que o Ministério Público seja imune a erros ou a ações de integrantes de má-fé, mas o Conselho Nacional do Ministério Público (Conamp) é a instância responsável pelo controle da instituição . Não existe razão para um parlamentar que é parte interessada fazer transitar esse tipo de projeto no Legislativo. Na hipótese de aprovação, os efeitos serão claros. Segundo o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), a proposta cria um sistema tão punitivo que inibirá a ação do MP contra os políticos. Se aprovado, o projeto fechará o círculo de impunidade em torno de parlamentares sob investigação: o MP não investigará, o STF não julgará e estará garantido a eles uma feliz estadia no Congresso Nacional, cuidando de seus próprios interesses.
A proposta do deputado Paulo Maluf entrou na pauta de votações com o apoio do PTB, do PP e do PR e com a condescendência dos demais partidos. Tramita junto com a emenda popular que proíbe a candidatura de fichas sujas – que, se a sociedade civil não ficar atenta, poderá sucumbir enquanto Maluf colhe bons frutos, apoiado por parlamentares na mesma situação que ele. É certo, não são todos os parlamentares que agem como Maluf, a serviço de sua própria causa. O deputado José Genoíno (PT-SP), ex-presidente do PT, arrolado no processo do mensalão, tem sido de grande ajuda ao movimento do MP para derrubar o projeto do ex-prefeito. “Não podemos misturar a instituição com algumas pessoas que exageram, nem fazer política com o retrovisor. Não posso transformar uma questão pessoal em institucional”, disse o parlamentar ao jornal “O Estado de S. Paulo”. É uma atitude louvável, a do parlamentar do PT paulista, digna de ser imitada pelos seus pares que têm fortalecido as pretensões do deputado do PR.
Se a Interpol procura Paulo Maluf, é bom avisá-la que o deputado está no Congresso Nacional, legislando em causa própria, para coagir o Ministério Público a não importuná-lo com ações por improbidade administrativa. Acabar com o foro privilegiado é uma forma eficiente de evitar o uso do Congresso para fins pessoais inconfessáveis, assim como seria desejável que se aprovasse um projeto ficha limpa, com todas as garantias de que a Justiça não será usada para excluir adversários da política.
Fonte: *Editorial de 23/03/2010, do Jornal Valor Econômico.