O Ministério Público, tradicionalmente identificado no Brasil pela figura do promotor de Justiça, ganhou extraordinária importância a partir da Constituição de 1988, que a ele dedicou uma seção especial no capítulo que trata das Funções Essenciais à Justiça. Pela enumeração das funções institucionais do Ministério Público, constante do artigo 129, fica evidente seu papel relevante para a garantia do Estado Democrático de Direito, cabendo-lhe agir em defesa da Constituição, das leis e dos direitos da cidadania. Inclui-se entre suas atribuições o resguardo do patrimônio público e o controle da legalidade dos atos dos agentes públicos, tendo legitimidade para propor ações judiciais promovendo a responsabilidade daqueles que praticarem ilegalidade ou abuso de poder.
Essa ampliação substancial das atribuições do Ministério Público já tem produzido efeitos altamente benéficos, merecendo especial referência sua atuação como verdadeiro advogado do povo, sobretudo das camadas mais pobres da população, sendo muitos os casos em que os direitos sociais só tiveram efetivação graças a iniciativas do Ministério Público. Mas, por agir em defesa dos direitos de um setor da cidadania tradicionalmente marginalizado ou discriminado, suas iniciativas muitas vezes contrariam a vontade e as diretrizes de governantes oriundos de grupos sociais dominantes ou com eles comprometidos. Acrescente-se, ainda, que já são muitos os casos em que graças à ação do Ministério Público governantes corruptos foram denunciados perante a Justiça e acabaram sendo desmascarados.
Dois pontos fundamentais para a boa organização e o melhor desempenho do Ministério são sua independência e sua imparcialidade, dispondo a Constituição que “ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa”, o que, em princípio, impede que ele seja forçado a agir ou deixar de agir em função de interesses de governantes. Quanto à direção do órgão, a Constituição estabelece que, tanto no plano federal como nos demais, a chefia caberá a um procurador-geral, nomeado pelo respectivo chefe do Executivo, observados certos requisitos. Além disso, de acordo com a lei que regula sua organização, cada Ministério Público tem um órgão especial dirigente, integrado por representantes de seus membros, por estes escolhidos, o que visa assegurar a democratização interna da instituição. Com exceção apenas de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, nos demais Estados já é atribuída a todos os integrantes do Ministério Público a participação na escolha dos dirigentes do órgão, direito que nesses três estados só é conferido aos procuradores, integrantes do nível superior da organização.
No seu conjunto o desempenho do Ministério Público pode ser considerado altamente satisfatório. Têm ocorrido situações em que uma iniciativa do Ministério Público sugere a influência de fatores políticos, como se tem verificado em regiões nas quais os conflitos sociais são mais agudos, mas qualquer iniciativa de um órgão do Ministério Público está sujeita a um estrito controle de legalidade, podendo ser anuladas pelo Poder Judiciário aquelas que não tiverem embasamento em fatos concretos e não se enquadrem em alguma hipótese legal. Assim, pois, deve merecer o mais veemente repúdio um projeto de lei proposto pelo deputado Paulo Maluf. Segundo o malicioso projeto, constitui crime a representação por ato de improbidade ou a propositura de ação contra agente público quando o autor praticar o ato “de maneira temerária”, o que, não por coincidência, foi o argumento muitas vezes utilizado pelo autor do infeliz projeto ao tentar defender-se de denúncias de corrupção. Essa proposta absurda deve ser denunciada e desde logo rejeitada, para evitar que a Câmara dos Deputados seja utilizada numa tentativa imoral de criar um instrumento de intimidação do Ministério Público. Por seu alto significado jurídico e social, o Ministério Público merece respeito e quem se considerar injustamente denunciado tem a garantia constitucional de acesso ao Judiciário, estando já prevista em lei a punição de quem agir maliciosamente no desempenho de uma função pública.
Fonte: Jornal do Brasil, artigo escrito pelo professor e renomado jurista Dalmo Dallari.